O solo, a água e o ar de cidades do Rio estão contaminadas pelos agrotóxicos
6 de junho de 2012
Por Carla Rocha, Fábio Vasconcellos e Natanael Damasceno
Do O Globo
O solo, a água e o ar de cidades do Rio estão contaminadas pelos agrotóxicos
O
solo, a água e até o ar de cidades do Estado do Rio estão contaminados
com ingredientes ativos usados nas fórmulas de agrotóxicos. O GLOBO teve
acesso a pesquisas científicas mostrando que a presença de substâncias
de agroquímicos põe em risco regiões agrícolas, como Paty do Alferes, no
Centro-Sul do estado, Campos, no Norte, e até áreas de importância
ecológica, como a Serra dos Órgãos, onde está o Parque Nacional da Serra
dos Órgãos. A terceira reportagem da série "Veneno em doses diárias"
mostra que o meio ambiente do estado já sofre o impacto do uso
indiscriminado dessas substâncias. No domingo, um levantamento do jornal
revelou que os índices de suicídios e mortes por câncer são mais altos nas regiões Centro-Sul, Serrana e Noroeste Fluminense.
Apresentada
no ano passado no Instituto Carlos Chagas, da UFRJ, uma tese de
doutorado revelou altas concentrações de endossulfan - substância usada
em agrotóxicos - no Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Realizadas em
até mais de dois mil metros de altura, entre 2007 e 2008, as medições
constataram taxas que variavam de 50 a 5,5 mil picogramas por metro
cúbico na atmosfera, até cinco vezes mais do que medições feitas em
pesquisas semelhantes na Bolívia, superando também índices da Europa e
dos EUA. Na ocasião, foi constatada situação igualmente grave no Parque
Nacional São Joaquim, em Santa Catarina.
- Esse tipo de poluição
pode ser apenas a ponta de um iceberg. Precisamos avançar mais com as
pesquisas para saber, por exemplo, de onde vem esse poluente. Uma das
hipóteses é que parte possa estar vindo da Região Sul do país, trazida
pelas correntes de ar. Outra parte pode ter origem no uso intensivo em
lavoura próximo à Serra dos Órgãos. O mais importante é saber que esses
produtos são persistentes e contaminam o ar no local onde ele é aplicado
e em áreas distantes - explica o biólogo e autor da tese, Rodrigo
Meire, que fez a pesquisa em parceria com o Instituto Environment Canada
e a Universidade Tecnológia do Paraná.
O endossulfan foi
proibido no Rio depois da pesquisa e de um desastre, em 2008, em que
oito mil litros da substância vazaram do depósito de uma empresa em
Resende nos rios Pirapitinga e Paraíba do Sul. Banido em 44 países, o
produto também já foi proibido no Brasil. No entanto, o estoque ainda
existente no país pode ser vendido até 2013.
O médico
epidemiologista Sérgio Koifman, coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Saúde Pública e Meio Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública da
Fiocruz, explica que o endossulfan é um organoclorado que tem efeitos
graves na saúde humana.
- É um tema seriíssimo. Todos os
organoclorados têm uma estrutura química parecida com a de alguns
hormônios humanos. A exposição a eles pode enganar o organismo, passando
a mensagem de que há um "hormônio" atuando, quando na verdade não há.
Isso pode provocar sérias modificações no sistema reprodutivo, na
tireoide, nas glândulas em geral. Todo o sistema hormonal pode ser
afetado - explica Koifman, observando que, na Dinamarca, estudos indicam
que a exposição a algumas substâncias químicas já afetou
consideravelmente o sistema reprodutivo da população masculina e
antecipou em um ano o período de puberdade em mulheres. - A questão é
que todos esses pesticidas podem causar uma gama de efeitos nocivos à
saúde, de malformações congênitas a cânceres.
Em 2003, o
professor e pesquisador Marcelo da Motta Veiga, do Departamento de
Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública da
Fiocruz, que há anos estuda o assunto, analisou os riscos de
contaminação, por agrotóxicos, da água de rios e poços usada pela
população da região onde se planta tomate em Paty do Alferes. Foram
recolhidas cinco amostras, num total de 135, em 27 pontos de coleta
selecionados. Desse total, apenas oito não apresentaram contaminação
detectável. Duas amostras tinham contaminações que ultrapassavam o
permitido pela legislação.
- É um problema real. Os índices,
embora apenas dois estivessem acima do determinado pela legislação, são
elevados. Nesses lugares, a população é pobre, trabalha muito e às vezes
vive num lugar horrível. Eles usam muito mais agrotóxicos do que
deveriam e de forma errada - observa.
Poços impróprios para consumo
Já
pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense constataram a
contaminação de corpos aquáticos superficiais num assentamento de
agricultores. O foco do estudo foi uma área de agricultura familiar com
cultivo de abacaxi, cana-de-açúcar, maracujá e mandioca, onde são
utilizados vários tipos de agrotóxicos.
- A pesquisa ainda está
em andamento, mas a gente já detectou contaminação num assentamento onde
a maior parte da plantação é de abacaxis - afirmou Maria Cristina
Canela, doutora em química e coordenadora da pesquisa.
Foram
analisadas amostras de poços rasos no entorno das residências,
utilizados como fonte de água potável, para serviços domésticos e
irrigação. Na maioria das amostras, havia o composto paration metílico,
organofosforado proibido na maior parte dos países da Europa. Mesmo que
os níveis encontrados em boa parte dos poços estivessem dentro dos
limites fixados pelo Conama, a conclusão é que alguns poços estavam
impróprios para o consumo.
O engenheiro agrônomo Márcio Fernandes da Silva diz que falta orientação ao pequeno agricultor:
-
Ele compra o produto em qualquer loja. Na maior parte das vezes, é
orientado pelo balconista. A maioria dos produtores tem pouca instrução e
dificuldade de entender o que está nas embalagens. Como não acredita
que a dosagem seja suficiente para matar as pragas, ele aumenta por
conta própria o volume de veneno. Esse excesso contamina o solo e
escorre para os cursos d"água, que ele e o vizinho usam.
FONTE
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