quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

QUANDO O DEMÔNIO ESTACIONA SEU COCHE FÚNEBRE À NOSSA PORTA E A GENTE FINGE QUE NÃO VÊ...

Greg Grandin - The Nation
Traduzido por Caia Fittipaldi

Iniciado em 2006, quando a ocupação do Iraque começou a desandar, o Plano Colômbia tornou-se a menina-dos-olhos dos teóricos da contraguerrilha, celebrado como bem-sucedida aplicação de “tendência clara e consistentemente construída” por teóricos da envergadura de um David Petraeus, general. Aquelas lições foram incorporadas na grade curricular de vários colégios militares nos EUA e citadas pelo Comando Conjunto do Estado-Maior como modelo para o Afeganistão. Os militares colombianos, com apoio de Washington, minaram as Forças Armadas Revolucionárias (FARC), o mais antigo e forte grupo guerrilheiro da América Latina, mas, segundo o Conselho de Relações Exteriores, garantiu a presença do Estado “em inúmeras regiões previamente controladas por grupos ilegais armados, restabelecendo o poder de governos democraticamente eleitos, construindo e reconstruindo a infra-estrutura pública e impondo o jugo democrático da lei”. O Plano Colômbia, em outros termos, teria oferecido não apenas um mapa do caminho até o sucesso, mas como o próprio sucesso. “É como se a Colômbia fosse o que o Iraque deveria ser”, escreveu Robert Kaplan, no Atlantic, “nos melhores sonhos dos EUA.”


Tradicionalmente, em muitas guerras antiguerrilhas, o estágio “limpo” sempre implica negação verossímil de qualquer relacionamento com esquadrões da morte –, como o comprovam a Operação Fênix no Vietnã, ou Mano Blanca em El Salvador. O governo Bush estava em andamento, quando o Plano Colômbia foi dado por pronto e entrou em operação; e, segundo Scott Wilson do Washington Post, serviu para acobertar as atividades de paramilitares de direita, frouxamente organizados como Forças de Autodefesa Unidas, em espanhol, AUC. “O argumento naquele momento, sempre exposto em encontros privados”, escreve Wilson, “foi que os paramilitares – responsáveis pela maioria dos assassinatos políticos na Colômbia – ofereceram a força que o exército colombiano ainda não construíra.” Logo depois, veio a etapa de “ocupação” – quando houve massivo movimento de apropriação de terras, pelos grupos paramilitares e seus financiadores. Fraude e violência – “ou você vende a terra, ou compraremos da viúva”, como conta a história daqueles dias –, combinadas com o envenenamento de pastagens e plantações, converteram em refugiados milhares de camponeses. Os paramilitares, com seus aliados narcotraficantes, controlam hoje cerca de 10 milhões de acres, praticamente metade da terra mais fértil do país.



Depois de algumas áreas do país terem sido pacificadas, começou a etapa de “construir” o Estado. Tecnicamente, os EUA definem a AUC colombiana como organização terrorista, um dos pés do tripé do narcoterrorismo (com as FARC e os narcos) que se supõe que o Comando Sul dos EUA exista para combater. Mas o Plano Colômbia não implica apenas reforço para os assaltos dos paramilitares – apesar de muito recalcitrante, além de caríssimo; ele também cria uma via pela qual a guerra perpétua fica definida como “política pública”; os paramilitares, portanto, acabam por ser definidos como o próprio Estado.

Sob a cortina de fumaça de uma anistia negociada com a intermediação do governo, condenada por grupos de direitos humanos nacionais e internacionais, para institucionalizar a impunidade, os paramilitares colombianos assumiram o controle administrativo de centenas de municípios, estabelecendo o que o cientista social colombiano León Valencia chama de “verdadeiras ditaduras municipais”, consolidando as invasões de terras e aprofundando os laços com os narcotraficantes, com as elites agrárias e seus representantes políticos. O aparelho de inteligência da Colômbia, que não para de crescer, está infiltrado pelos interesses dessa mistura de esquadrões da morte e narcotraficantes, como também o aparelho judiciário e o Congresso: mais de 40 deputados do partido governante na Colômbia estão sob investigação, acusados de manter laços políticos e comerciais estreitos com a AUC.


O Plano Colômbia, em outras palavras, financiou o movimento exatamente oposto ao que está em andamento nos vizinhos Equador, Bolívia e Venezuela, nos quais movimentos progressistas trabalham aplicadamente para “refundar” suas respectivas sociedade sob parâmetros sociais mais democráticos e inclusivos. Em vez de uma “democracia participativa” que a esquerda latino-americana está oferecendo, o presidente Álvaro Uribe da Colômbia só oferece “segurança democrática” – uma espécie de engodo social local, pelo qual, aos que se submetam a uma nova ordem, prometem-se segurança em bairros povoados de yuppies americanizados e estradas “seguras”; e à sociedade civil que se oponha a esse “projeto” só se oferecem intimidações e assassinatos.


A Colômbia continua a ser o pior Estado repressor da América Latina. Mais de 500 sindicalistas foram executados, desde que Uribe assumiu a presidência. Recentemente, 195 professores foram assassinados, sem que ninguém jamais tenha sido preso pelos crimes. E os militares são acusados de mais de 2.000 assassinatos de civis – cujos cadáveres são vestidos em uniformes de campanha, para comprovar “progressos” na luta contra as FARC.

Parece também que muitos militantes da direita não são talhados para a vida que a “Paz Uribista” oferece. Para o centro de pesquisas Nuevo Arco Iris, que trabalha em Bogotá, têm eclodido inúmeras “miniguerras civis” entre grupos que, todos, consideram-se “herdeiros” da AUC, e disputam o controle do espólio local, em vários locais. Com tudo isso, há quem ainda elogie o Plano Colômbia.


No vôo que o trazia de volta para casa de uma recente reunião em Bogotá da “Contraguerrilha Global”, um ex-comandante do Comando Sul do Exército dos EUA, escreveu, em seu blog, que “a Colômbia é país que nenhum turista deve deixar de conhecer, vitorioso depois de uma longa guerra contra guerrilheiros perigosos, a apenas duas horas de vôo de Miami. Temos muito a aprender com o sucesso do governo Uribe.”

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